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STJ considera extinta punibilidade de garota de programa acusada de roubo após cliente não pagar pel


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a uma prostituta acusada de roubo na cidade de Araguaína (TO). O argumento é que profissionais do sexo têm direito a proteção jurídica e que podem cobrar em juízo o pagamento pelo serviço. Os ministros concluíram que a conduta da acusada, ao tomar à força um cordão com pingente folheado a ouro do cliente que não quis pagar pelo sexo, não caracterizou roubo, mas o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal (CP). A decisão é do dia 17 de maio.

De acordo com o voto do ministro Rogério Schietti Cruz, não se pode negar proteção jurídica a quem oferece serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, “evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça”.

Ainda no voto, o ministro afirmou que o Código Brasileiro de Ocupações de 2002, do Ministério do Trabalho, menciona a categoria dos profissionais do sexo, o que “evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e, portanto, é passível de proteção jurídica”.

Essas considerações, disse o relator, “não implicam apologia ao comércio sexual, mas apenas o reconhecimento, com seus naturais consectários legais, da secularização dos costumes sexuais e da separação entre moral e direito”.

Segundo ele, o processo demonstra que a garota de programa pensava estar exercendo uma pretensão legítima, já que não recebeu os R$ 15,00 prometidos em acordo verbal pelo cliente (o fato ocorreu em 2008). Ao enquadrar o caso no artigo 345 do CP, a turma reconheceu a prescrição do crime, já que a pena correspondente é bem menor do que na hipótese de roubo.

 

Na opinião do advogado criminal Daniel Grillo, sócio do Escritório Lacombe Advogados, trata-se de uma decisão acertadíssima.

“Da análise do acórdão, verifico que a mulher exercia a atividade de prostituta no Estado do Tocantins e combinou com um homem um encontro mediante o pagamento de R$ 15,00. O homem, ao final, recusou-se a cumprir o combinado. Irresignada, a mulher subtraiu um cordão da vítima e a ameaçou com uma faca, começando, então os dramas jurídicos e pessoais, pois, tudo leva a crer que, se houvesse a tradição, ou seja: o pagamento, a história acabaria. A mulher foi denunciada por roubo. A sentença, correta, por sinal, assinalou:

“J. é daquelas pessoas que se prostitui para sobreviver e o local onde comercia seu corpo (“Região da Feirinha”) evidencia por ser público e notório, que se trata de pessoa pobre, sem instrução, que vive à margem do convívio social mais instruído e normalmente mais educado.

A sua realidade é bem diferente da minha, da promotor, da do defensor público que patrocina sua defesa e, por isso mesmo, a análise de sua conduta deve se ater às condições, circunstâncias e peculiaridades pessoais e não ao padrão do homem médio, como normalmente ocorre no direito penal”.

O magistrado de piso foi sensível quanto às idiossincrasias da ré e a condenou pela prática do crime de “exercício arbitrário das próprias razões”.

Embora não haja menção explícita no decisum condenatório, trata-se de valoração paralela na esfera do profano, instituto jurídico inserto na culpabilidade, mais especificamente, na potencial consciência da ilicitude. Por profano, entende-se leigo, aquele que desconhece a amplitude da norma.

Assim, ainda que o agente atue típica e ilicitamente, de acordo com sua valoração cultural, moral, ética e social, pode não ter condições de efetuar o juízo de reprovabilidade (culpabilidade), não podendo, pois, ser punido.

É dizer: o juiz, ao apreciar a prova, deve atentar para as condições pessoais do réu e aquilatar, no caso concreto, se o mesmo podia efetuar referido juízo.

Até esse momento processual, o da entrega da prestação jurisdicional, não se verifica nenhum constrangimento ilegal: a agente foi sentenciada pela prática de delito que, de fato, cometeu.

O drama da ré, pobre e prostituta, ainda estaria longe de terminar, eis que o Ministério Público, apesar da correção da sentença, recorreu e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins reformou a decisão de 1° grau, e a condenou pelo crime de roubo.

Restou consignado no aresto colegiado:

“Em que pese a argumentação utilizada pelo magistrado, o objeto jurídico do crime de exercício arbitrário das próprias razões é tutelar a Administração da Justiça, razão pela qual a pretensão do agente pode ser ilegítima, mas necessariamente "(...) há de ser um interesse que possa ser satisfeito em juízo, pois não teria o menor cabimento considerar exercício arbitrário das próprias razões - delito contra a administração da justiça - a atitude do agente que consegue algo incabível de ser alcançado através da atividade jurisdicional do Estado (...)."

[...]

No caso em exame, embora em seu íntimo a apelada desejasse haver a satisfação do crédito em razão dos serviços sexuais prestados à vítima, tem-se que tal pretensão, embora considerada legitima pela apelada, não poderia ser deduzida em juízo. Nesse sentido transcrevo o seguinte posicionamento:

[...]

Ressalto, que embora a prostituição em si não seja considerada ilícito, conforme bem asseverado nas razões recursais "não quer dizer, contudo, que seja ato ou atividade estimulada, fomentada, legalmente amparada ou sequer aceita pelo Estado".

Dessa forma, afastada a possibilidade da desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, resta caracterizada a subtração do cordão da vítima” (Grifos no original).

Reconhecer tal entendimento seria o mesmo que negar a proteção jurídica à mulher e, felizmente, o Supremo Tribunal de Justiça, reformou a decisão, ao consignar que:

“Sob esse viés, vejo como acertada a solução dada pelo juiz sentenciante, ao afastar o crime de roubo – cujo elemento subjetivo não é compatível com a situação versada nos autos – e entender presente o exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo verbal de pagamento, pelo cliente, dos préstimos sexuais da paciente.

Como destacado no Juízo monocrático, "no íntimo de J. seu serviço deve ser remunerado e a cobrança dessa remuneração é legítima como qualquer outra prestação de serviços remunerada comumente aceita em nossa sociedade" (fl. 12), a evidenciar que, naquela oportunidade, a acusada não atinava ser responsabilizada por roubo, por haver feito "justiça com as próprias mãos".

Não é de se desprestigiar tal raciocínio, apoiado na percepção manifestada pelo Juiz de primeiro grau, que teve contato direto com a paciente e atestou que ela considerava estar exercendo pretensão legítima, a sugerir, portanto, que a acusada desconhecia a ilicitude de sua conduta.

Logo, é de restabelecer-se a sentença monocrática, mercê do afastamento da reforma promovida pelo julgado ora hostilizado, o que importa em reconhecer-se a prescrição da pretensão punitiva, dado o lapso temporal já transcorrido, em face da pena fixada. Nesses termos, aliás, foi a douta manifestação do representante do Ministério Público Federal” (Grifos no original).

No caso concreto, fica claro que a intenção da mulher não era, simplesmente, subtrair um cordão. Era o de ver seu acordo (embora verbal, um acordo) cumprido. Sua pretensão, portanto, que julgava legítima.

Isso é o bastante para que se garanta a proteção jurídica, sendo, pois, possível a caracterização do crime de exercício arbitrário das próprias razões e o afastamento do crime de roubo.

Sendo o entendimento de que a mulher cometeu esse crime, forçoso reconhecer a prescrição em relação a ele, sendo declarada extinta a punibilidade.

Possível que alguns mais punitivistas se apressem em falar na famigerada impunidade.

Não posso concordar com esse entendimento. A mulher suportou uma acusação, por anos a fio, por um crime que não cometeu, somente sendo assim reconhecido por um tribunal superior.

Se, para uma pessoa medianamente esclarecida, possuidora de razoáveis recursos, responder a uma ação penal e suas consequentes agruras é verdadeira via crucis, o que se dizer para uma humilíssima prostituta em uma comarca do interior do Estado do Tocantins?

O juiz de primeira instância sentenciou corretamente e, felizmente, ao final de longo tempo, o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu o primado da justiça, estancando, ao menos em parte, o sofrimento atroz de uma jurisdicionada”.

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