Durante décadas, até mesmo séculos, possuir recursos não declarados no exterior transmitia certa situação de conforto aos seus proprietários.
Era extremamente difícil ser descoberto ou rastreado sendo natural o sentimento de relativa segurança.
Os tempos mudaram mormente após os ataques terroristas aos Estados Unidos da América, ocorridos no notório 11 de setembro de 2001.
Hodiernamente, se verifica uma tendência mundial de combate aos denominados paraísos fiscais, conhecidos como tax havens, e, em um futuro não muito distante, após um período de “justiça de transição”, haverá algo que já se denomina de “fisco global”.
Em vigor, já existem diversos tratados, convenções e protocolos internacionais, em diversos sentidos, que permitirão intensa cooperação em os fiscos de diversas nações.
A tendência, inexorável por sinal, é o aumento da colaboração global com novas medidas legais a permitir uma quase que automática troca de informações fiscais e financeiras multilaterais.
“E o Brasil, o 4° país no ranking mundial de ativos no exterior, com US$ 590 bilhões de dólares não declarados (US$ 190 bilhões de dólares de origem lícita), segundo o relatório publicado pela Global Financial Integrity e Ford Foundation, tem necessidade de recompor sua base de tributação, além de ampliar seus esforços para declarar o perdimento dos mais de US$ 400 bilhões de origem ilícita, como temos visto nos esforços das operações recentes do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário” .
A edição do “Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária” – RERCT, instituído pela Lei 13.254 de 13 de janeiro de 2016, e regulamentada pela Instrução Normativa 1.627/16 da Receita Federal do Brasil, veio nesse diapasão.
Diz a Lei:
“Art. 4o Para adesão ao RERCT, a pessoa física ou jurídica deverá apresentar à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e, em cópia para fins de registro, ao Banco Central do Brasil declaração única de regularização específica contendo a descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de qualquer natureza de que seja titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em real, ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes previstos no § 1o do art. 5o desta Lei e dos respectivos bens e recursos que possuiu.”
Importante salientar, desde logo, que a apresentação da declaração deve ser feita, impreterivelmente, até o dia 31 de outubro de 2016.
Para a adesão ao programa, igualmente, alguns requisitos se impõem:
1. optantes devem ter sido residentes no Brasil em 31 de dezembro de 2014;
2. recursos, bens e direitos devem ter sidos detidos até 31 de dezembro de 2014;
3. optantes não podem ter sido condenados por crimes como sonegação fiscal e evasão de divisas; e
4. em 13 de janeiro de 2016, o declarante, cônjuge, consanguíneo, ou afim até segundo grau ou por adoção, não podem ter tido cargo, emprego ou função pública de direção ou eletiva.
Trata-se, a nosso ver, de oportunidade única de regularização, cujo principal objetivo, na seara penal, de extinção de punibilidade dos delitos que abaixo se elencam:
i. crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1° e nos incisos I, II, e V do art. 2° da Lei 8.137/90; na Lei 4.729/65 e no art. 337-A, do Código Penal;
ii. crimes de falsidade e uso de documento falso, previstos nos arts. 297, 298, 299 e 304, do Código Penal;
iii. crimes de evasão de divisas e operação de câmbio irregular, previstos nos arts. 21 e 22 da Lei 7.492/86;
iv. crime de lavagem de dinheiro quando originado pelos delitos anteriores.
Embora nossa opinião seja claramente no sentido da adesão ao programa, cabe atenção à autorizada advertência de MARCO VINICIO PETRELLUZZI e FRANCISCO PETROS, quando afirmam que “um exame mais detalhado evidencia que nem tudo é tão simples como parece ser. Isso porque a Receita terá prazo de cinco anos para rever as informações prestadas e especula-se que o Ministério Público Federal também se prepara para exame acurado sobre o patrimônio dos beneficiários da norma. Neste contexto, cremos ser imprescindível para o contribuinte precaver-se com uma análise tributária e contábil sobre a existência de ‘lastro financeiro’ derivado das atividades apontadas pela norma, e de sua proporcionalidade qualitativa e quantitativa relativamente aos recursos que pretende regularizar. De outro lado, é recomendável avaliar os concretos e potenciais riscos penais o que evita que a correta conduta do contribuinte, se subsuma a figuras típicas de natureza criminal” .
Isso porque não se confunde o prazo decadencial tributário, que se dá em 05 (cinco) anos, como cediço, com o prazo prescricional penal, que se calcula de acordo com o máximo da pena privativa de liberdade, de cada crime em espécie, seguindo-se as regras do art. 109 e incisos, do Código Penal.
Referido prazo prescricional pode, no caso concreto, se operar em apenas 12 (doze) anos de acordo com os crimes abrangidos pela Lei 13.254 de 13 de janeiro de 2016.
Por fim, irmanamo-nos à conclusão de LUÍS CARLOS DIAS TORRES, LEANDRO FALAVIGNA e FERNANDA PETIZ MELO BUENO, quando asseveram que:
“Tudo indica que é melhor buscar a regularização do patrimônio mantido do exterior do que correr o risco de ver-se envolvido em investigação de natureza criminal, e, eventualmente, responder a uma ação penal, sem prejuízo de multa aplicável, que pode chegar a 225%. Contudo, é necessário aguardar a regulamentação da lei de anistia pela Receita Federal do Brasil. A lei de anistia é uma realidade e deve ser utilizada para a repatriação ou regularização de recursos, bens e direitos de origem lícita – após criteriosa análise da situação, caso a caso – até para que em um futuro próximo o destinatário ou titular desses bens não venha a ser processado criminalmente por sonegação fiscal, evasão de divisas ou até mesmo lavagem de capitais” .